elaborado em conjunto com o engenheiro Mauri Panitz
Esta postagem visa explicar por que nos colocamos contra a construção de uma trincheira na rua Anita Garibaldi. Esperamos que ela sirva também para esclarecer que o nosso objetivo final não é a preservação das árvores ou a substituição dos carros pelas bicicletas, como muita gente pensa. Há muita coisa errada no projeto da obra, não importa de qual ângulo se encare a questão: urbanístico, de mobilidade, ambiental, econômico, político.
Uma rápida explicação sobre o trânsito de Porto Alegre:
O sistema viário de Porto Alegre é composto de ruas radiais que convergem em direção ao Centro. Isso quer dizer que as grandes vias como a Av. Farrapos, a Av. Osvaldo Aranha, a Av. João Pessoa e a Av. Independência cortam a cidade formando um desenho radial, parecido com um leque:
A 3ª Perimetral foi criada com a intenção de desconcentrar o trânsito
de Porto Alegre. Ela foi desenhada de forma a interligar as vias
radiais da Cidade e permitir acesso facilitado a bairros distantes.
Além
de descentralizar e agilizar o trânsito, a 3ª Perimetral visa criar
polos de desenvolvimento urbano nos cruzamentos entre a perimetral e as
demais vias, gerando pequenos centros comerciais em cada bairro e
deixando seus moradores independentes do Centro Histórico para ter
acesso ao comércio.
A Rua Anita Garibaldi é uma via coletora - portanto, não é uma grande via radial de acesso ao Centro. Ela começa na rua Cel. Bordini e termina num beco, nos fundos do Country Club. Além disso, a Anita não tem a capacidade de escoamento necessária para aguentar um volume excessivo de tráfego, como vem recebendo ultimamente. Esta é uma das razões que explica o porquê da construção de uma passagem de nível não ser adequada nesta localidade.
A rua Anita Garibaldi é paralela a duas avenidas: a Plínio Brasil Milano e a Dr. Nilo Peçanha. Ambas possuem capacidade suficiente para intervenções como passagens de nível. A Nilo Peçanha já possui um viaduto; a Plínio em breve ganhará uma passagem de nível inferior, para cruzamento em níveis diversos. Com estas duas interconexões, a obra na Anita torna-se desnecessária: basta que haja vias que interconectem a Nilo e a Plínio.
Mas por que não uma obra também na Anita?
A trincheira, se construída na Rua Anita Garibaldi, irá transferir o engarrafamento já existente para a av. Eng. Alfredo Correa Daudt, duas quadras abaixo. Os veículos continuarão engarrafando, agora com a possibilidade de ficarem presos dentro de um túnel, o que é ainda mais desagradável.
Por que ocorrerá o engarrafamento na av. Correa Daudt?
Segundo a EPTC, 38% dos carros que passam pelo cruzamento da Rua Anita Garibaldi com a 3ª Perimetral dobram à esquerda, em direção ao Aeroporto Salgado Filho. Com a trincheira, não haverá mais essa opção: os carros deverão usar a Correa Daudt, mais congestionada ainda, para converter ao aeroporto. O problema não será eliminado, apenas transferido para duas quadras abaixo.
O que implica a perda da conversão à esquerda na av. Carlos Gomes?
A Rua Anita Garibaldi é hoje a única via de acesso ao aeroporto para os bairros Bela Vista, Mont' Serrat, Moinhos de Vento e Boa Vista. Caso não se possa converter à esquerda, todo esse fluxo irá para a Rua Plínio Brasil Milano, que hoje já não permite a conversão à esquerda.
Junto com a obra, não haverá a duplicação de pista da Anita Garibaldi?
Não. A trincheira nada tem a ver com o projeto de duplicação de pista e de prolongamento da avenida. Pelo contrário: após construída, a trincheira deverá ser demolida para que se possa fazer a duplicação de pista, pois ela está fora do eixo da futura obra.
Isso mesmo: poucos anos após ser construída, a trincheira será demolida para dar lugar a outra obra.
O problema é apenas o trânsito?
Fora as complicações de ficar preso no subsolo durante o engarrafamento, a trincheira traz outros problemas: sondagens preliminares da construtora Sultepa revelaram que o solo do terreno é rochoso e não arenoso, como se pensava. Cavar um túnel num solo rochoso implica o uso de explosivos, algo perigoso em zonas residenciais. Tal constatação corrobora a tese de que não foram realizados os estudos prévios de impacto ambiental, de impacto no tráfego e geológicos, obrigatórios a qualquer projeto de obra pública.
E as árvores?
Dezenas de árvores serão retiradas durante o processo, mas grande parte delas está com a madeira podre. Apesar de lamentável, a perda das árvores não é o principal problema da obra, como a imprensa insiste em dizer.
Qual o custo da obra?
Inicialmente era de R$ 12 milhões, mas a evidência de solo rochoso fará esta cifra aumentar. A nova estimativa de valor ainda não foi divulgada pela prefeitura.
Se a obra não trará benefícios a Porto Alegre, por que fazê-la?
As prefeituras das cidades-sede da Copa do Mundo têm direito a verbas federais para a realização de obras de mobilidade urbana relacionadas à Copa. As prefeituras tem um prazo para apresentar os projetos que receberão a verba, senão correm o risco de perdê-la. O projeto da trincheira na Rua Anita Garibaldi é antigo e já estava pronto à época da requisição. Para ter acesso à verba, a prefeitura optou por fazer a trincheira ao invés de elaborar um novo projeto.
Ok, a obra pode até não sair, mas é preciso dar um jeito no trânsito da região. Qual a solução?
A futura passagem de nível na Av. Plínio Brasil Milano desafogará o trânsito na Rua Anita Garibaldi, pois os motoristas terão outra opção de caminho a seguir. Diferentemente do caso da Anita, as obras na Plínio afetarão somente um empreendimento comercial: o posto de gasolina Ipiranga.